Ecopoesia

Malpaís

José Emilio Pacheco

Ontem o ar limpou de repente

e apareceram as montanhas.

Séculos sem avistá-las. Muito tempo

sem nada além da certeza de que estão ali em torno a nós.

Caravana de neve o Iztaccíhuatl.

Crisol de lava na caverna do sonho,

nosso Popocatépetl.

 

 

Esta foi a cidade das montanhas.

Desde qualquer esquina se viam as montanhas.

Tão visíveis elas estavam que era muito raro

prestar atenção nelas.

Só nos demos conta de que existiam as montanhas

quando o pó do lago morto,

os descartes fabris, o envenenamento

de incessantes milhões de veículos

e a merda despejada a céu aberto

por muitos milhões a mais de excluídos

desceram a cortina irrespirável

e já não mais montanhas. Poucas vezes

se deixa contemplar - azul, imenso - o Ajusco.

Ainda reina sobre o vale mas já estão terminando com ele

entre, loteamentos, madeireiros e, o que é pior, incendiários.

Pensamos que fosse invencível. Desprezamos

nossos poderes destrutivos.

 

Quando não reste uma árvore,

quando tudo for só asfalto e asfixia

malpaís, terreno pedregoso sem vida

esta será novamente a capital da morte.

 

Nesse instante renascerão os vulcões.

Virão do alto o imponente cortejo de lava.

O ar inerte se cobrirá de cinza.

O mar de fogo lavará a ignomínia,

a terra será chama e o pó luz

Na pedra brotará uma planta.

Quando floresça ressurgirá a vida

no que transformamos em deserto de morte

 

Sois de lava, astros de ira, indiferentes deidades,

ali estarão os invencíveis vulcões.

 

Pacheco, José Emilio. "Malpaís." Tarde o temprano: poemas 1958-2009. 1. ed. Barcelona: Tusquets Editores, 2010. p. 289-90.

Primera edición en: Pacheco, José Emilio. Los trabajos del mar. México: Ediciones Era, 1983.

Tradução para o português: Mary Anne Warken S. Sobottka

 



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