Ontem o ar limpou de repente
e apareceram as montanhas.
Séculos sem avistá-las. Muito tempo
sem nada além da certeza de que estão ali em torno a nós.
Caravana de neve o Iztaccíhuatl.
Crisol de lava na caverna do sonho,
nosso Popocatépetl.
Esta foi a cidade das montanhas.
Desde qualquer esquina se viam as montanhas.
Tão visíveis elas estavam que era muito raro
prestar atenção nelas.
Só nos demos conta de que existiam as montanhas
quando o pó do lago morto,
os descartes fabris, o envenenamento
de incessantes milhões de veículos
e a merda despejada a céu aberto
por muitos milhões a mais de excluídos
desceram a cortina irrespirável
e já não mais montanhas. Poucas vezes
se deixa contemplar - azul, imenso - o Ajusco.
Ainda reina sobre o vale mas já estão terminando com ele
entre, loteamentos, madeireiros e, o que é pior, incendiários.
Pensamos que fosse invencível. Desprezamos
nossos poderes destrutivos.
Quando não reste uma árvore,
quando tudo for só asfalto e asfixia
malpaís, terreno pedregoso sem vida
esta será novamente a capital da morte.
Nesse instante renascerão os vulcões.
Virão do alto o imponente cortejo de lava.
O ar inerte se cobrirá de cinza.
O mar de fogo lavará a ignomínia,
a terra será chama e o pó luz
Na pedra brotará uma planta.
Quando floresça ressurgirá a vida
no que transformamos em deserto de morte
Sois de lava, astros de ira, indiferentes deidades,
ali estarão os invencíveis vulcões.
Pacheco, José Emilio. "Malpaís." Tarde o temprano: poemas 1958-2009. 1. ed. Barcelona: Tusquets Editores, 2010. p. 289-90.
Primera edición en: Pacheco, José Emilio. Los trabajos del mar. México: Ediciones Era, 1983.
Tradução para o português: Mary Anne Warken S. Sobottka