Ecopoesia

Discurso sobre os caranguejos

José Emilio Pacheco

Dizem pelas regiões costeiras que os caranguejos

são animais enfeitiçados

São seres incapazes de virar-se

para contemplar seus passos

 

Aprenderam com as marés teimosas

a virtude do recuo, o esconder-se

entre rochas e limo.

 

Caminhantes oblíquos,

na tenacidade das suas duas pinças

seguram o vácuo que penetram

seus olhinhos ferozes como chifres.

 

Nômades no lodo e habitantes

em dois exílios:

estrangeiros

perante os habitantes das águas

e perante os animais da terra.

 

Escaladores noturnos,

armaduras errantes,

esquivos, pétreos, eternos fugitivos,

sempre evitam a imortalidade

através de impossíveis círculos quadrados.

 

Sua frágil carapaça

incita ao despedaçamento,

ao pisoteio...

 

(Hércules vingou assim a mordedura

e Juno que lhe enviou em missão suicida

para retribuir-lhe situou Câncer

entre os doze signos do Zodíaco

com a intenção de que suas patas e pinças

levem ao sol pelo verão,

 

—o tempo no qual germinam as sementes.)

 

Se ignora em qual momento deu o seu nome

a esse mal que é sinônimo da morte.

Ainda ao terminar o século vinte

permanece invencível

—e basta sua menção para que o medo

atravesse o rosto de todos os presentes.

 

Pacheco, José Emilio. "Discurso sobre los cangrejos." Tarde o temprano: poemas 1958-2009. 1. ed. Barcelona: Tusquets Editores, 2010. p. 93-94.

Primera edición en: Pacheco, José Emilio. No me preguntes cómo pasa el tiempo: poemas, 1964-1968. México: Joaquín Mortiz, 1969.

Tradução para o português: Mary Anne Warken S. Sobottka




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