Ecopoesia

Justificação de deus

Leonardo Fróes

o que eu chamo de deus é bem mais vasto

e às vezes muito menos complexo

que o que eu chamo de deus. Um dia

foi uma casa de marimbondos na chuva

que eu chamei assim no hospital

onde sentia o sofrimento dos outros

e a paciência casual dos insetos

que lutavam para construir a água.

Também chamei de deus a uma porta

e a uma árvore na qual entrei certa vez

para me recarregar de energia

depois de uma estrondosa derrota.

Deus é o meu grau máximo de compreensão relativa

no ponto de desespero total

em que uma flor se movimenta ou um cão

danado se aproxima solidário de mim.

E é ainda a palavra deus que atribuo

aos instintos mais belos, sob a chuva,

notando que no chão de passagem

já brotou e feneceu várias vezes o que chamo de alma

e é talvez a calma

na química dos meus desejos

de oferecer uma coisa.

 

 

 

Fróes, Leonardo. “Justificação de deus.” Poesia.br: 1960. Ed. Sérgio Cohn. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012. p. 102.




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