Ecopoesia

Um peixe-folha

Sérgio Medeiros

A folha estava no galho. O galho na árvore. A árvore no quintal. O quintal na praia. O vento às vezes era forte.

 

Foi então que a folha decidiu ser peixe e foi embora voando no vento.

 

Poucou nas pedras. O mar estava perto. Havia voado para trás ou para a frente?

 

Veio da praia uma rajada fria e a folha correu loucamente nas pedras do terraço. Estava num terraço? Rolou de cá para lá como carapaça vazia de um tatu. Um tatu-folha.

 

Quando o vento parava a folha parava: angustiava-se. Faltava-lhe ar.

 

Entusiasmos súbitos a fazia correr de um lado para o outro… Mas a folha sentia nitidamente que não levantaria vôo. Sentia que era uma casca seca. Casca dura. Curva. Transformara-se num tatu-folha. 

 

Pensou: como tatu-folha poderei correr por aí. Sempre rente ao chão. Então serei um caranguejo. Correrei mais. Alcançarei o mar. 

 

Serei gelatinosa. Tatu transparente. Correrei para o fundo do mar. Depois nadarei entre os peixes. No meu cardume.

 

A população de tatus aumentava no terraço. As folhas secas batiam umas nas outras a cada lufada de vento marinho.

 

A folia era tanta…

 

Porém nunca se viu ou pescou um peixe-folha. Talvez.

 

Mas folhas grandes e pequenas boiam no mar. 

 

Medeiros, Sérgio. "Sexo Vegetal". São Paulo: Editora Iluminaturas, 2009. p. 48




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