A folha estava no galho. O galho na árvore. A árvore no quintal. O quintal na praia. O vento às vezes era forte.
Foi então que a folha decidiu ser peixe e foi embora voando no vento.
Poucou nas pedras. O mar estava perto. Havia voado para trás ou para a frente?
Veio da praia uma rajada fria e a folha correu loucamente nas pedras do terraço. Estava num terraço? Rolou de cá para lá como carapaça vazia de um tatu. Um tatu-folha.
Quando o vento parava a folha parava: angustiava-se. Faltava-lhe ar.
Entusiasmos súbitos a fazia correr de um lado para o outro… Mas a folha sentia nitidamente que não levantaria vôo. Sentia que era uma casca seca. Casca dura. Curva. Transformara-se num tatu-folha.
Pensou: como tatu-folha poderei correr por aí. Sempre rente ao chão. Então serei um caranguejo. Correrei mais. Alcançarei o mar.
Serei gelatinosa. Tatu transparente. Correrei para o fundo do mar. Depois nadarei entre os peixes. No meu cardume.
A população de tatus aumentava no terraço. As folhas secas batiam umas nas outras a cada lufada de vento marinho.
A folia era tanta…
Porém nunca se viu ou pescou um peixe-folha. Talvez.
Mas folhas grandes e pequenas boiam no mar.
Medeiros, Sérgio. "Sexo Vegetal". São Paulo: Editora Iluminaturas, 2009. p. 48